domingo, 16 de setembro de 2012

"É exatamente essa dissolução total no presente característica dos animais, que contribui bastante para a alegria que nos fazem sentir os nossos animais domésticos: eles são a personificação do presente, e tornam sensível a nós, em alguma medida, o valor de cada instante despreocupado e sereno, enquanto, no mais das vezes, não damos atenção ao presente, ultrapassando-o em pensamento. Porém, essa propriedade dos animais, de se contentar mais do que nós com a simples existência, os fazem vítimas do abuso de pessoas egoístas e más; tais pessoas, muitas vezes, obrigam seus animais a nada mais desfrutar que a simples existência: o pássaro, cuja constituição o permitiria percorrer o mundo, é preso em um espaço exíguo, onde morre cantando em lenta agonia:

l'uccello nella gabbia
Canta non di piacere, ma di rabbia

O mesmo sucede ao cão, o tão inteligente e mais fiel amigo do homem, que vive preso por correntes! Não consigo ver um cachorro preso sem experimentar imensa compaixão por ele e profunda indignação contra seu dono, e lembro-me com satisfação do caso relatado no Times, há alguns anos, em que um lord, dono de um imenso cão, que mantinha sempre acorrentado, certo dia, passeando pelo jardim, tentou acariciá-lo, e como resposta o cão arrancou-lhe o braço - e com toda razão! Com isso certamente queria dizer: "Não és meu dono, mas meu demônio, fazendo um inferno a minha curta existência". Que todos que deixam seus cães acorrentados sofram o mesmo!"

Arthur Schopenhauer, Do Sofrimento do Mundo, §153.